– Bom dia.
– Bom dia, senhor. Qual seu destino?
– Algum lugar onde a felicidade esteja guardada para mim.
– Senhor?
Pergunta a atendente, torcendo o nariz e franzindo a testa.
– Sim, sim. Isso mesmo. Quero uma passagem para a felicidade. Quero uma passagem para o meu lugar no mundo.
– Senhor. Este destino não existe. Aqui nós fazemos apenas viagens estaduais. Gostaria de uma passagem para o litoral?
Responde a atendente, com um tom de secretária eletrônica, misturado com de vendedora de telemarketing.
– Litoral? Será? Será que é lá, debaixo daquelas areias, ou dentro daquele enorme oceano, que está a minha felicidade? Não, acho que não.
– Senhor. Só possuímos passagens para destinos estaduais. Não existe nada aqui no sistema que seja parecido com o que o senhor deseja.
Responde a atendente, com o mesmo tom de antes.
– Tudo certo, então. Obrigado.
– Disponha, senhor. Espero que encontre o que procura.
O homem sai do guichê da rodoviária, cabisbaixo e com um semblante de quem mais uma vez fracassara. Há aproximadamente dez anos, essa era a rotina de Adão. Procurar a felicidade em guichês de rodoviárias, lojas de conveniência, locadoras de filmes, canais de televendas e outros. Durante toda sua vida Adão se sentia diferente, único. Sempre pensando que Deus havia reservado algo de especial para ele. Até brincava com seus amigos, dizendo:
– Calma, calma. Só estou esperando o meu momento para O GRANDE ATO!
O seu grande ato. Sua ponte para a felicidade. Algo que lhe aconteceria, e que o impulsionaria para frente, fazendo com que sua vida mudasse da água para o vinho.
Ainda jovem, Adão tentou emplacar seu grande ato com um gol de placa. Frequentou peneiras e mais peneiras, de times de futebol. Tentava mostrar seu talento. Tentava mostrar que poderia ser o novo Pelé. Ou melhor, ser alguém além do Pelé. Porém, o futebol que ele imaginava ter, era o mesmo que todos os técnicos viam que ele nunca poderia colocar em prática. Garrincha tinha as pernas tortas, mas era um mágico com a bola. Adão também, tinha as pernas tortas. Mas suas pernas faziam a mágica de tropeçar uma na outra, levando-o ao chão por várias vezes. Seu primeiro fracasso para o grande ato.
Adão, como não era bobo, fazia de tudo para que seu grande ato chegasse. Jogava na mega-sena toda semana. Quem sabe seu grande ato fosse acertar seis dos sessenta números da cartela, e se tornar o mais novo milionário do Brasil. Poderia comprar o que quisesse, e ficar famoso como um grande filantropo. Porém, Adão nunca acertara mais de três números de um mesmo jogo. Não tinha muita sorte com jogos.
Outra tentativa de um grande ato era de algo mais digno, alcançado pela bravura. Por vezes Adão rondou ruas, na calada da noite, a fim de encontrar alguma pessoa indefesa sendo assaltada, e salvá-la. Poderia ser seu grande ato. Poderia se tornar um herói. Alguém como Batman, o guardador da cidade. Não deu muita sorte. A única vez em que presenciou um assalto foi o seu próprio. Adão percebeu que com armas de verdade, munidas de balas de verdade, não teria muitas chances. Levaram-no o relógio e os óculos, deixados por seu pai.
Por anos e mais anos, Adão teve tentativas frustradas para ter seu grande ato. Tentou escrever um best-seller, mas mal conseguia dar sentido a um paragrafo. Tentou ser médico, para ser o pioneiro na descoberta da cura da AIDS, mas não conseguiu ao menos passar no vestibular. Esportes, jogos, ações heroicas, atuações, livros, recordes. Tentou, tentou, tentou, e nada. Tanta tentativa e tanta frustração levaram Adão à loucura. Loucura que fez com que achasse que a felicidade pudesse ser comprada, ou facilmente encontrada. Mesmo que para ele fosse difícil, ou até utópico.
Este é Adão. Homem de 47 anos, mais senil do que a própria velhice. Saindo de mais um guichê, de cabeça baixa, sem ter encontrado a sua felicidade.
PAH PAH PAH…
Tiros? Ouço tiros?
Sim, são tiros! Está acontecendo nesse exato momento um assalto em um dos guichês da rodoviária. Todos estão correndo, apavorados. O pânico se alastrou pelo local. A polícia de um lado, os bandidos do outro, e bem no meio uma mulher com um bebê de colo. Espera… Tem um homem correndo em direção ao tiroteio! Ele se jogou em cima da mulher e do bebê, e tomou três tiros por eles!
Finalmente, Adão conseguiu. Conseguiu seu GRANDE ÚLTIMO ATO.
“A ambição é o último recurso do fracassado.”
Oscar Wilde